Mais um trabalho acadêmico, mestrado em história na PUC-SP por Valdir da Silva Oliveira em 2007.
Nada melhor que o resumo do próprio autor para falar sobre o livro:
"A presente dissertação partiu de minhas inquietações vivenciadas na década
de 1980. Morando no Parque São Rafael, Zona Leste da cidade de São Paulo, pude
presenciar, cotidianamente, a mobilização punk que emergia com força e vitalidade
na cidade.
No entanto, o que mais me chamava atenção era o pequeno, mas crescente,
engajamento do movimento punk com o anarquismo. Manifestado em suas práticas
e experiências no processo de ocupação e vivências nos espaços e territórios da
cidade.
O objeto de pesquisa desse trabalho é refletir, discutir e estudar o anarquismo
no movimento punk, suas incursões políticas, sociais e culturais na metrópole
paulistana. Para isto, utilizamos como fontes os próprios discursos dos
remanescentes punks da época pesquisada, através de relatos, textos e artigos
publicados nos fanzines (meio de comunicação dos punks), cartas trocadas entre os
integrantes do movimento e entrevistas com punks do período abordado, onde
analisamos as tensões e disputas dos punks enquanto memória de vidas e lutas.
Procuramos dar voz e visibilidade aos sujeitos históricos que interagiram,
vivenciaram, discutiram e refletiram sobre o anarquismo no movimento punk, na
década de 1980."
O autor busca analisar o anarquismo dentro da cena punk durante a década de 80 em dois períodos, pré-85 e pós-85 (não é só uma divisão no meio, mas marca também uma data de censura e pós-censura). Em certo ponto ele consegue demonstrar bem a diferença, mas por outro lado ele falha por apenas ter estudado a atuação da mesma geração nas duas épocas. Um exemplo seria que ele cita o MPA (Movimento Punk Alternativo - criado por punks na ativa desde a "primeira fase") mas em nenhum momento cita o MAP (Movimento Anarco Punk - que viria a ser a nova geração de punks).
Acredito que o fato do MAP ser excluído é o não conhecimento do autor, que teve por base de pesquisa somente a cidade de São Paulo, enquanto o MAP surge em Mauá. E também houve um racha do CCS (Centro de Cultura Social) com o MAP justamente por estes serem mais jovens e ficarem bebendo e causando nas reuniões - racha que levou à criação da Juventude Libertária no começo dos anos 90, ligada mais à COB (Confederação Operária Brasileira), UGT (União Geral dos Trabalhadores), AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores).
O que acho interessante da introdução do punk no livro é que o autor não traça uma linha dos movimentos culturais jovens que levaram ao surgimento do punk, e sim da própria identidade histórica da classe "jovem" e colocando os movimentos como meras consequências dessa identidade. O texto não tem aquele peso acadêmico chato citando milhares de referências de escolas de pensamento etc etc, achei que o autor soube dosar bem a quantidade de informação que usa, principalmente filtrar o tanto de objetos de pesquisa que obteve - além de várias entrevistas, ele afirma ter pesquisado mais de 40 caixas de documentos sobre a cena punk durante os anos 80 doados ao CEDIC/PUC-SP (Centro de Documentação e Informação Cientifica), doação feita pelo punk entrevistado no seguinte trecho extraído do livro:
“Tem uma palestra ali que uma vez em..., acho que foi a primeira vez que eu falei no Centro de Cultura, eu
falei para o público, me convidaram, esse cara, o Gurgel me indicou para fazer parte de uma mesa para
discutir o movimento punk e anarquismo, aí eu pô, vinte anos de idade, no auge de minha ignorância, da
minha arrogância, eu chego no Centro de Cultura, sento, aí chega um velhinho todo curvado, cara, era o
Aldegheri, senta do meu lado, tava bem cedo e ele pergunta assim: ‘é, mas o que vocês querem?!’ Há, a
gente quer destruir o sistema. ‘Há, ta bom, destruir o sistema é fácil, e o que vocês vão fazer depois que
vocês destruírem o sistema?!’ Acabou, meu amigo, acabou, acabou, não tem resposta nenhuma pra dar,
você começa a gaguejar, falar um monte de abobrinha, mas consistência nenhuma, nenhuma, falando de
1985, e essa época eu já tinha escrito acho que dois ou três exemplares do fanzine chamado ‘Anti-Sistema’,
então eu não era uma pessoa tão sem informação assim, recebia correspondência de vários lugares do
Brasil, de vários lugares do mundo, então eu não era uma pessoa tão desinformada"
e continuando...
"... o Aldegheri, o cara era um italiano, que luta contra
o fascismo, vai preso, para o campo de Aushwitz, sobrevive porque é um bom sapateiro, foge, volta para
ajudar libertar seus amigos [...] Vai preso na Guerra Civil Espanhola [...] ele foge para a França e vai parar
na Alemanha. Agora você imagina, sentar com um maluco desse e trocar idéias, você está trocando idéias
com a história viva, n/é cara, não é o que você leu. [...] O Pedro Rueda, o cara foi tenente ou capitão durante
a Guerra Civil Espanhola, [...] todos homens com mais de 60/70 anos de idade, a experiência que
eles te colocam naquele momento , pô bicho, não tem curso de história que te dê isso"
(Antonio Carlos de Oliveira em 20/07/2006)
Vale lembrar, assim como na entrevista que fiz aqui com o Vladi (Ulster, Brigada do Ódio, Rasura Records) a anarquia que os punks pregavam na primeira metade da década de 80 era mais reativa ao sistema do que uma ideia propriamente anarquista, até porque não se tinha onde pesquisar e aprender sobre o assunto. Livros como "O Que é Anarquismo?" só foram lançados no período pós-censura, em 85, assim como a (re)criação do CCS que possibilitou a interação dos jovens punks -pretensos ou aspirantes- anarquistas com os velhos estudiosos e militantes anarquistas.
“Os punks surgiram dentro da idéia da anarquia, porém sem a base
histórica dos anarquistas que atravessam o século XX e participam de revoluções e
lutas”
(Marcos Falcão - Excomungados)
Mais uma vez, o foco do livro é sobre a anarquia dentro do movimento punk, então ele não busca falar sobre bandas e tão pouco sobre gangues, apesar de ser essencial citá-las em alguns momentos. A maior base de pesquisa são fanzines e cartas, assim como entrevistas com autores dos mesmos.
Tenho que ressaltar que estes, os reais preocupados com a luta política dentro da cena, sempre foram uma minoria, por isto o livro não reflete o movimento punk como um todo.
Enfim... segue o link para o download do livro:
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